É a meta para este ano, sem olhar ao tamanho do biquini. Ir pela primeira vez a praia. Para quem achar estranha esta situação, basta ter noção da realidade do interior. Aqui ir de férias é um luxo, o mar fica muito longe, e as férias a que se tem direito no emprego usam-se para fazer as colheitas da azeitona, da amêndoa e até mesmo da vindima. Em muitos casos, é pelo dinheiro extra que entra, outros é pela disponibilidade para se aproveitar o que se tem. Mas este ano, dada a saída de casa dos meus pais e a curiosidade que tenho, e tempo também vou ter de certeza....este ano vou finalmente a uma praia de mar!
Foda-se para quem ameaça cobardemente pelo messenger, whatsapp e afins.
Foda-se para quem teima em medir peito com a chefia só porque é mulher.
Foda-se para o tentar meter medo como via de se conseguir o que quer.
Foda-se para o constante ter que provar o que se vale porque se é mulher, não poder perder a postura ou lá se vai o respeito, ter que se explicar o porque sim.
Foda-se.
Um colega ameaçou-me com porrada só porque não foi incluído na equipa.
Já o tinha feito antes.
Tem um histórico de violência doméstica, teve 13 queixas e apanhou pena suspensa.
Vivo sozinha e tenho receio.
E perante isto, porque a justiça já devia ter castigado este tipo, só digo...
A crise de que o Presidente Marcelo falou recentemente, a tal crise que ainda não se notava muito no Douro...
Daqui por diante vai notar.
Com o cortar das pontas na vinha, acaba o grosso do trabalho, até a vindima.
Boa parte da mão de obra vai parar, e este ano não há os empregos de verão que muitos colegas arranjavam, porque o trabalho é sazonal mas a vida faz-se todos os dias.
Temo pelas dificuldades que muita gente vai passar.
Antes do confinamento, éramos 23 pessoas a trabalhar.
Durante, o mínimo fomos 7 e o máximo 10.
Presentemente, e já com o trabalho a mingar, somos 14.
Sinto que toda a gente olha para o lado, sinto que há um real receio de ser mandado embora.
Ninguém anda feliz com a perspetiva de ficar sem trabalho.
E nós, somos aquele complemento ao dito pessoal da "casa" nas quintas, chamam se necessário, e em maré de contenção de custos, somos um luxo que se evita.
Não há dinheiro.
Há reduções de benefício, há crise real a espreita, há ansiedade.
Há medo. Muito medo.
Acho que mais do que nunca, o Douro tem que resistir porque por muita mecanização, o Douro é e será as pessoas.
Somos a força motriz, na retaguarda durante tanto tempo e agora, mais do que nunca, perdemos o medo de pegar nas rédeas desta porra toda.
Somos mais do que a maquilhagem, o rabo empinado e os saltos. Somos isso tudo e muito mais num compacto de coragem andante.
Somos destemidas.
A coragem e a sagacidade é algo que trazemos já no adn, já nascemos como que avisadas que o mundo não vai ser nosso amigo.
Porque o mundo ainda não é um lugar bom pra se ser mulher.
Escrevo isto num exercício de auto-motivação, eu que durante tanto tempo dizia aos meus pais que queria ser homem para poder ser livre.
Afinal bastou sair lá de casa.
Só tenho irmãos e de momento só trabalho com senhores. E não, não me sinto uma princesa. Mas sou tão ou mais feminina do que a profissão me permite.
Aliás...já levei com esse mito.
Tive pessoas que achavam que eu era meio-arrapazada. Depois vêm-me de cor de rosa, de brincos e toda a aparência de gaja boa que sou.
Afinal tudo é conciliável!
Só há uma coisa em que invejo os meus colegas: a facilidade com que podem fazer xixi no campo.
Eles é virarem as costas e bota largar águas.
Já eu, é andar km atrás de um sitio onde possa...sem ter mirones.
Já eu, sou mulher no meio deles e não me posso queixar que não me respeitam, bem pelo contrário, sempre pedi que não me tratassem com cerimónias por isso. Estou em igualdade, vá, sou a chefe.
E como digo tantas vezes a minha mãe...coragem, mulherada!
Se há coisa da qual não me posso queixar é de ter um trabalho entediante.
Bem pelo contrário.
Às vezes até preferia que fosse mais calmo, mas quando penso ter acertado na fórmula e estar aos saltinhos porque desta é que é ,e agora é que vão ver o que é trabalhar e...vai tudo por água abaixo.
Se não fosse tão teimosa já tinha mudado de vida.
Ou se não gostasse tanto da terra, da sensação única de ver crescer, colher o fruto de uma campanha inteira, de uma jornada que começa na poda e acaba em festa nas vindimas.
E a paisagem. O cheiro da terra molhada, o assobiar do vento nos ferros da vinha, as cores da vinha nas diferentes estações do ano, nos diferentes estados fenológicos.
O sentido de responsabilidade.
Ter a capacidade de ensinar e aprender, saber lidar com diferentes personalidades, ser tenaz e sagaz, mas sobretudo, teimosia.
A vida na vinha é feita sobretudo de teimosia e muita da história do vinho se deve a grandes apaixonados que também são teimosos.
Sem acreditar não se chega a lado algum.
E independentemente de como as coisas corram, apraz dizer que sou tremendamente apaixonada por aquilo que, mais do que o meu ofício, é a minha paixão.