Mesmo que os turistas só possam ver as vistas de postal, mesmo que a verdadeira essência deste rio apaixonante esteja guardada as gentes de cá, aos trabalhadores das quintas que podem não conhecer os miradouros mas sabem os patamares de onde se tem a melhor vista...
E quem diz patamares diz vinha ao alto.
No Verão transborda de tons verdes, no outono a luz e as cores mais quentes nas vinhas dão-lhe um subtil alaranjado. No Inverno tem o tom amarelo barrento sujo que lhe dá o nome.
O contraste com a paisagem agreste invernil é qualquer coisa de maravilhoso.
Fico contente com tanta gente a ver cá em cima, a descobrir o nosso Reino Maravilhoso.
E serão sempre bem vindos e bem recebidos.
Mas...o verdadeiro encanto está reservado para os de cá.
Não sei se é mistica, ou magia, ou o carinho que vou ganhando a cada regresso.
O facto é que me sinto muito bem ali.
Sinto-me em casa.
E acalento o sonho , já a algum tempo, de tentar reverter a desertificação, de trazer gente, de tornar o lugar conhecido, de mais do que tentar explicar a minha paixão, é provar que tem fundamento, mostrar o que tanto me encanta ali..
É uma pena o abandono a que já vai sendo deixado. Uma pena mesmo.
Certa vez enchi-me de coragem e escrevi um email á Presidência da República, a sugerir uma visita por meio de aferir no terreno a desertificação do interior.
Recebi a resposta do chefe da casa civil, obviamente foi recusada.
O sr. Presidente , a CMTV e os abutres só aparecem quando há desgraça. É certinho.
O sonho continua cá, e no momento certo da minha vida vai materializar-se.
Se há coisa da qual não me posso queixar é de ter um trabalho entediante.
Bem pelo contrário.
Às vezes até preferia que fosse mais calmo, mas quando penso ter acertado na fórmula e estar aos saltinhos porque desta é que é ,e agora é que vão ver o que é trabalhar e...vai tudo por água abaixo.
Se não fosse tão teimosa já tinha mudado de vida.
Ou se não gostasse tanto da terra, da sensação única de ver crescer, colher o fruto de uma campanha inteira, de uma jornada que começa na poda e acaba em festa nas vindimas.
E a paisagem. O cheiro da terra molhada, o assobiar do vento nos ferros da vinha, as cores da vinha nas diferentes estações do ano, nos diferentes estados fenológicos.
O sentido de responsabilidade.
Ter a capacidade de ensinar e aprender, saber lidar com diferentes personalidades, ser tenaz e sagaz, mas sobretudo, teimosia.
A vida na vinha é feita sobretudo de teimosia e muita da história do vinho se deve a grandes apaixonados que também são teimosos.
Sem acreditar não se chega a lado algum.
E independentemente de como as coisas corram, apraz dizer que sou tremendamente apaixonada por aquilo que, mais do que o meu ofício, é a minha paixão.