Não nasci com carapinha como a minha tia e primas mas gostava...
O meu cabelo é liso e chato. Herança do lado paterno.
Gosto de pensar que um familiar distante veio lá de Cabo Verde para esta pequena terra e ficou, gerou descendência e deixou a magia que faz daquele arquipélago um lugar tão único.
Numa altura em que o racismo sobe de tom, era bom recordar a essa gente que boa parte de nós é descendente dos escravos que os duros e puros portugueses foram buscar a África.
A raça mais forte disseminou-se. Ou achavam-se linhagem direta do bravo Viriato?
Pensem que até o nosso primeiro rei era filho de um cruzado da Borgonha!
França, oh lá lá!
A nossa terra sempre foi de muitos e sempre será.
Tanto é português o cigano como o habitante da Cova da Moura.
O beto da Quinta da Marinha e o morcon do Porto.
O provinciano e o alentejano.
Pensem que Portugal é um país pequeno mas com tanta diversidade..
O verdadeiro patriotismo devia começar por aí: orgulho da mescla.
Porque é que a vida te leva para longe dos meus braços, a cada dia que amanhece?
Não podemos ficar naquelas boas figuras em que estamos quando o despertador toca?
O desejo gosta de se adiantar e acorda-nos antes da hora para termos tempo até a hora, para maldizermos a hora, para adiarmos por mais 5 minutos o inadiável...
Não sei quem deseja mais quem, ele provoca e eu deliro, quando sou eu a querer ele parece que pressinte..
Acabamos sempre a gargalhada. Ele ainda tem tanto de menino, tão terno, tão apaixonado, tão quente..
E eu cada vez mais rendida, não questiono, vivo, dou-me.
Ele sorri. De cada vez que está comigo o olhar brilha tanto..
A minha cama já não faz sentido sem a chamar de nossa.
A tua pele colada na minha é aquela sensação doutro mundo.
Mas o tempo não pára nestes momentos. Bem queremos mas...
Somos tão felizes em segredo, nesse enredo feito entre lençóis, noite após noite.
Três dias em casa sem conseguir ir para o campo e sinto-me a beira do colapso.
Três dias a olhar para as paredes, sem ânimo, com atenção triplicada as previsões do estado do tempo.
Três dias a ouvir agoirentos, a tentar não me passar, a implodir internamente para não perder a postura. E a revolta é maior quando acabam por ter razão.
A chuva vence. O trabalho não se faz e não há encaixe financeiro.
Fica a frustração e a raiva.
Não é justo querer levar o barco para a frente e haver barreiras.
Não devia haver obstáculos para os obstinados. Não devia, simplesmente.
Por um lado tenho orgulho da minha natureza determinada.
O outro lado é não ter seguidores.
Mas espero que os meus colegas percebam a tempo que a agricultura não é para fraquinhos.
Ou bem podem ir pensando em mudar de ramo profissional.